
O artigo PURE (The Prospective Urban Rural Epidemiology) publicado no periódico The Lancet em 29/8/2017 tem gerado grande repercussão pois traz informações sobre a associação dos macronutrientes com as doenças cardiovasculares e mortalidade.
Trata-se de um estudo epidemiológico de coorte com inclusão de 18 países de cinco continentes que teve seguimento de 10 anos, sendo que o follow up ocorreu anualmente e, os indivíduos eram contatados por telefone ou pessoalmente. A mediana de seguimento foi de 7,4 anos . Os participantes tinham idade entre 35 e 70 anos e, a amostra totalizou 135335 pessoas. O objetivo foi avaliar desfechos duros como mortalidade total, infarto fatal e não fatal, AVC e a relação com o consumo de macronutrientes.
Para avaliação do consumo alimentar e quantificação de nutrientes, foram utilizados registros de frequência validados e recordatórios de 24h. Em países asiáticos, foram feitas análises em subgrupos, uma vez que há sabidamente maior consumo de carboidratos e baixo de gorduras. Como em muitas vezes dados de relação cintura e quadril estão relacionados aos eventos cardiovasculares, estes dados embora coletados, foram excluídos das análises multivariadas. Os nutrientes foram analisados pelos quintis de consumo e, as substituições carboidrato por gorduras saturadas, insaturadas e proteínas foi realizada por meio de substituições isocalóricas definidas em 5% do VET.
Os resultados apontaram que dos participantes do estudo 7,1 % auto referiram ter diabetes, tinham em média 50.2 anos, RCQ (relação cintura quadril) 0.87 e, tinham níveis variáveis de atividade física de acordo com a região demográfica.
Em relação ao consumo de energia e macronutrientes os resultados apontam percentual de consumo de carboidratos acima de 60% na China, Sul da Ásia e Oriente Médio. O percentual de energia de gordura total maior que 30% foi observado na Europa, América do Norte e Oriente Médio. Em relação à gordura saturada, o percentual acima de 10% foi observado nas mesmas regiões. Porém, em na análise geral de gordura saturada, o desvio padrão foi metade da média encontrada.
O maior consumo gorduras monoinsaturadas foi observado Europa, América do Norte, Oriente Médio e Sudeste da Ásia. O Oriente Médio apresentou maior consumo das polinsaturadas. Em relação as proteínas, o maior consumo foi na América do Sul, sendo a maior parte em proteína animal.
Embora as gorduras tenham sido categorizadas por tipos (total, saturada, monoinsaturada e polinsaturada) e as proteínas em (origem animal ou vegetal) o mesmo não foi realizado com carboidratos
Em relação aos desfechos, os resultados da ingestão de carboidratos foi associado com maior risco de mortalidade. Entretanto é importante notar que o 3º quintil corresponde a mediana (60,8%) de carboidratos o 4º e o 5º quintis tiveram a média de consumo de carboidratos de (67,7%e 77,2% respectivamente). Uma análise entre o 5º quintil e a mediana poderia ser útil para ampliar o conhecimento dos dados. Quando foi analisado separadamente o consumo de carboidratos entre asiáticos e não asiáticos o risco de mortalidade para não asiáticos no 5º quintil (69,5% do VET) foi significativamente associado à mortalidade (1,31 (1.05-1,63). Para os demais intervalos, não foi possível fazer a associação uma vez que o intervalo de confiança para os dados esteve sempre passando por 1. Esta informação é válida e deve ser interpretada com cautela, pois leva ao questionamento do conjunto total de dados.
Os carboidratos não foram associados aos desfechos cardiovasculares. Em relação às proteínas foram inversamente associadas à mortalidade total e mortalidade por outras doenças que não as cardiovasculares. Não foi possível associar proteínas de origem vegetal com risco.
Em relação às gorduras saturadas, quando analisadas por quintis para o amostra total o consumo do 5º quintil apresentou menor risco de mortalidade geral, AVC e mortalidade para doenças não cardiovasculares. Entretanto, esta informação quando analisada na figura 2C, por meio do intervalo de confiança, somente 3º quintil da amostra das regiões asiáticas não está passando por 1, o que nos mostra a fragilidade das informações.
Por outro lado, o maior consumo de gorduras monoinsaturadas e polinsaturadas foi relacionado com menor risco total de mortalidade em asiáticos e não asiáticos. Informação já bastante explorados na literatura.
Quando se fala em substituição isocalórica de (5%) de carboidratos por gorduras o estudo mostra que as polinsaturadas reduziram a mortalidade total e as mortes por doença não cardiovascular. E mostra ainda, que quando o carboidrato é substituído por gordura saturada há redução do risco de AVC (0,80 [95% IC 0,69-0,93]. Neste resultado, o que não fica claro se a redução do risco ocorreu em uma região que já consumia menor quantidade de gordura saturada.
Os autores discutem que os achados do estudo não suportam as atuais recomendações de gordura total (30%) e gordura saturada (10%). Embora a analise tenha sido ajustada para variáveis que possam interferir nos resultados sabe-se que tanto gordura saturada como carboidratos tem papel inflamatório no organismo e esta condição em médio e longo prazo pode gerar outras variáveis que podem implicar em desfechos.
Outro ponto, levantado é que a população total do estudo já tinha alto consumo de carboidratos e, que estes, na mior parte era de pão e arroz brancos. Ainda, em relação aos carboidratos, discute-se que alguns tipos de carboidratos aumentam a dislipidemia (>TG, <HDL, <ApoB e aumento de partículas de LDL pequenas e densas. O que já está claramente evidenciado como risco para doença cardiovascular. A coorte do Nuerses Healt Study, já apontava que a carga glicêmica (quantidade de carboidratos) estava relacionada com alto risco para AVC isquêmico.
O risco de mortalidade na substituição por gordura polinsaturada é apresentado como reduzido. Com base no papel anti-inflamatório que a série ômega 3 apresenta, esta redução poderia ser explicada. Entretanto, a quantidade entre ômega 3 e ômega 6 não foi avaliada neste estudo.
O histórico familiar de doença cardiovascular não foi levado em consideração, sendo fator de risco não modificável e, portanto, bastante relevante no contexto.
Ao término, os autores deixam claras limitações que incluem: a dificuldade de ajuste de condições socioeconômicas, validade absoluta dos dados do QFA (que apresenta estimativa de consumo) e pode ser influenciada pelo nível educacional e percepção individual dos participantes. Além disto, os dados de consumo foram coletados apenas no início do estudo o e, que os participantes, podem ter mudado o padrão alimentar ou estilo de vida ao longo dos 10 anos. É relatado ainda, a não quantificação de carboidratos integrais e refinados e , que é sabido que na maioria dos países com baixa renda o consumo dos refinados é maior. Não foram avaliadas gorduras trans e, as gorduras polinsaturadas foram avaliadas com base em alimentos e não em óleos vegetais. Neste ponto, em relação aos óleos vegetais muitos contribuem com maior quantidade de ômega 6 e menor proporção de ômega 3.
O Brasil é um país de dimensões continentais e em desenvolvimento, que passou por transição nutricional recente e, tem os níveis de sobrepeso e obesidade aumentando anualmente. As Sociedades médicas especialmente a de Cardiologia e Diabetes têm estudado exaustivamente o impacto dos nutrientes na mortalidade, doenças cardiovasculares e diabetes. Em 2013, as Diretrizes sobre o consumo de gorduras discutiu amplamente o papel do cada um dos tipos de gordura e as limitações ao realizarmos associações com as doenças.
A adaptação das informações à realidade brasileira e o papel dos nutrientes na mortalidade e doenças é acompanhado pela revisão das diretrizes e a comunidade científica está atenta à estas informações. É importante avaliar sempre o conjunto e não a informação de forma isolada.
Referência: Associations of fats and carbohydrate intake with cardiovascular disease and mortality in 18 countries from five continents (PURE): a prospective cohort study. August, 2017. The Lancet.
Silvia Ramos
Nutricionista
Doutora em Ciências – Cardiologia – UNIFESP
Membro do Departamento de Nutrição da Sociedade Brasileira de Diabetes
Diretora Acadêmica do Insira Educacional
Escreva um comentário